A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO INTEGRADA NO ÂMBITO EMPRESARIAL

05/06/2011 13:39

 1. A Educação na Sociedade de Mercado

 

A escola se submete, cada vez mais, a enormes pressões para que se conforme aos novos paradigmas da globalização e da lógica da sociedade de mercado.

A competição econômica mundial se torna o imperativo categórico a que todas as instituições educacionais devem se subordinar se quiserem sobreviver.A escola – ao se moldar por este paradigma - reduz-se ao restrito papel de formação do “capital humano” necessário à eficiência das organizações, ao aumento dos padrões de desempenho e de produtividade.Por sua vez, os alunos são crescentemente constrangidos a participar e a demandar essa metamorfose do papel social das escolas. Contribuem para abrir espaço à mercantilizaçao dos saberes e das aprendizagens, e à cristalização de iniqüidades formadas e graduadas como os novos bacharéis da sociedade do conhecimento.Diante de tal contexto, os verdadeiros “mestres” pouco a pouco capitulam.A escola vive uma crise crônica, em que os amplos debates no seio da sociedade, entre pais, alunos, educadores, políticos e a opinião pública em geral, praticamente têm por consenso a colocarem em estágio de “morte clinica”. Ou pior: “a escola está morta”, apenas para me reportar ao clássico de Ivan Illich e Everett Reimer publicado aqui no Brasil nos idos de 1975 pela Francisco Alves Editora.O discurso dominante, o senso comum sustenta que é inadiável uma profunda reforma educacional, que resgate o papel da escola para as reais necessidades dos tempos presentes. Reforma educacional, eis aí a solução mágica, o “Abra-te Sésamo” para todas as dificuldades!Mas reforma para edificar que tipo de escola? E uma escola destinada a que tipo de sociedade? Ora, uma nação que não tem projeto de país educa sem direção e sentido, não constrói a trajetória de sua existência. Certamente, não pode ser uma escola voltada à formação de quadros para as organizações transformadas em verdadeiras tribos ou cults de auto-adoração e de auto-veneração, verdadeiras seitas de deificação do trabalho.Certamente, também não pode ser uma escola que pretenda formar gerentes, gestores, empreendedores e líderes empresariais para o desempenho do papel de “educadores corporativos” de seus funcionários, agora chamados de colaboradores, inoculando-lhes a lógica, a doutrina e a ideologia das organizações empresariais modernas da sociedade de mercado.A educação, mais do que nunca, fundamenta-se na racionalidade tecnológica e nas necessidades interpostas pelo o que deseja o mercado. À semelhança dos operários do Século XIX, os profissionais de hoje, forjados nas ambiências universitárias sofisticadas, os que ainda conseguem emprego, são agora igualmente apêndices humanos dos aparatos tecnológicos, soi-disant máquinas modernas de produção.  Devem ser também formados para garantir a eficiência e a produtividade do sistema produtivo. É todo cabedal conceptual, ideológico e operacional do taylorismo e do fordismo, agora de fraque e cartola, revisitado pela formação acadêmica como requisito mínimo para os empregos das empresas-cidadãs, sempre com seus programas de responsabilidade social, de desenvolvimento sustentável e de ética empresarial.Dispensa-se a formação intelectual, crítica e cultural. Enfatiza-se apenas a que sustente ou estimule a racionalidade instrumental ou técnica do trabalho a ser executado.É evidente que o domínio da tecnologia é imprescindível à felicidade e à liberdade humana. Mas aquele que desenvolve uma postura intelectual restrita à tecnologia é levado a identificar-se com os aparatos e as máquinas, a mitificá-los e a sacralizá-los, e, assim, a derivar satisfação psicológica apenas por fazer o trabalho bem feito, o que lhe é propiciado pela capacitação técnica pessoal e pelo instrumental tecnológico disponível.A técnica é apenas extensão do braço humano e, por isso, fundamental. Mas não se constitui num fim em si mesmo. Ainda que também seja produto da inventividade humana, não expressa e não esgota todas as faculdades e qualidades inerentes ao homem. A cultura se converte também em mercadoria. Deixa de ser inerente à formação, não se incorporando mais aos indivíduos como pessoas humanas únicas e singulares.A cultura tecnicista instrumentaliza os indivíduos, e não mais os forma. Em verdade, os deforma.A formação em sua integralidade e inteireza se dá a partir da incorporação da cultura pelos indivíduos. Não se pode conceber a pessoa dela dissociada.Essa cultura tecnicista convertida em mercadoria só pode ser adquirida como valor de troca. E, assim, os indivíduos se formam para aumentar o seu valor no mercado, e não mais para a diferenciação, para a compreensão da sociedade em que vivem e para o compromisso com a sua transformação, com vistas a torná-la mais justa, equitativa e em plenitude de liberdade. A obtenção da cultura como um fim em si mesmo, em contrapartida, não permite, por si só, que a pessoa seja capaz de compreender as circunstâncias em que se encontra. Igualmente, a cultura que transmite apenas o instrumental para a adaptação e a sobrevivência imediata também não possibilita que o indivíduo se torne capaz de compreender e de transformar as suas circunstâncias.A educação transformada em mercadoria é claramente expressa quando se dá absoluta relevância aos índices nacionais de classificação das melhores escolas.Sistemas como o ENADE e o ENEM, em que pese a sua legitimidade e contribuição na busca da melhoria da educação no País, não deixam de expressar de forma contundente este viés. Assim, diretores, professores e alunos se dedicam exaustivamente à competição por uma melhor classificação como prova de que oferecem ao mercado as melhores mercadorias educacionais – os alunos formados -, o que, por sua vez, vai lhes “levar ao paraíso” do emprego e da ocupação profissional.Tendemos ainda a julgar que uma formação, mesmo que precária, é melhor do que nenhuma. Mas este é um equívoco: a falsa formação ou a formação precária nos leva a pensar que sabemos o que não sabemos, que somos capazes de fazer o que efetivamente não somos. É preciso denunciar a falsa formação educacional que se pratica generalizadamente em nosso País, em especial as condições objetivas que a engendram; não insistir no equívoco de que para superá-la seja somente e tão-somente uma responsabilidade individual de cada um.  O Ocioso por Excesso de Capacidade A economia mundial não se mostra capaz de absorver o crescente aumento do nível educacional da força de trabalho.Os formandos e graduados dos centros acadêmicos tornam-se ociosos por excesso de capacidade. E as organizações aumentam ainda mais os requisitos educacionais para a ocupação dos postos de trabalho. As pessoas passam a aceitar trabalhos e empregos anteriormente ocupados por pessoas bem menos qualificadas.E a escola reafirma assim ainda mais a sua diretriz de ensino: não mais se orienta pelo humanismo indispensável centrado no universalismo do livre pensar a atividade humana e na qualificação intelectual do aluno.Perde-se o senso crítico da realidade no sentido de transformá-la para se ganhar competências e habilidades específicas de interesse do mundo do trabalho. Não mais forma quadros para uma elite pensante. O aluno não é mais o diamante bruto a ser lapidado como um intelectual. Aprendem-se as competências “do produzir e do fazer” e perde-se a capacidade de pensar autonomamente.Nunca se falou tanto em criatividade e inovação, louva-se “o ócio criativo”, mas os contextos educacionais e de trabalho nunca os restringiram tanto. O discurso das organizações empresariais e educacionais é o de que vivemos o apogeu do humanismo, mas certamente a realidade é bem distinta: o discurso superficialista da humanização organizacional esconde o auge do desrespeito à centralidade do homem no mundo da educação e do trabalho. A sociedade de mercado priva o homem de sua essencialidade humana. Desumaniza-o! A Principal Função da EscolaApós o foco da escola na formação do crente, após o foco da escola na formação do cidadão, e após o foco na formação do homem comprometido com o ideal humanístico, a industrialização e a mercantilização da existência humana redefinem o homem como um ser essencialmente econômico e um individuo essencialmente privado.A principal função da escola passa a ser formar quadros para o crescimento econômico e o mercado.É preciso continuar a formar quadros adestrados para o mercado: os exércitos de reserva de mão de obra - antes na Revolução Industrial pela capacitação dos trabalhadores manuais especializados, agora pelos profissionais de qualificação acadêmica. Antes, os operários manuais fabris. Agora, os operários acadêmicos do conhecimento.O novo compromisso da escola: prestar serviço ao mundo econômico e atender à lógica do mercado. Formar cidadãos passa a ser um simples efeito colateral. Aprender a aprenderA escola deixa de ser a fonte do saber e do conhecimento. Restringe a sua ação pedagógica a fazer o aluno aprender a aprender as competências necessitadas pelo mercado que lhe garanta hoje, e pode pretensamente lhe garantir amanhã, o tão desejado emprego. Ah, sim! Agora se fala na empregabilidade e no empreendedorismo, ou seja: Vire-se!

O importante é a capacidade de o profissional continuar a aprender por toda a sua existência o que seja útil ao mercado e, portanto, que lhe permita exercer atividades remuneradas.

Ora, na sociedade do conhecimento a obsolescência das competências e das habilidades é muito mais rápida. Mudam-se os processos de trabalho, e, em conseqüência, obsoletizam-se todos.

É preciso aprender a aprender novas competências, que logo vão ficar ossificadas, ultrapassadas, e que, por isso, vão exigir, por sua vez, a reciclagem permanente para a aquisição de novas competências “do fazer e do produzir”.

Eis aí a educação continuada e permanente de que tanto se fala hoje: não se destina a desenvolver cidadãos mais conscientes, cônscios de si mesmos, mas a capacitar, treinar e adestrar a mão-de-obra em competências necessárias ao desempenho de atividades remuneradas pelo mercado.

Este novo paradigma da pedagogização da existência responsabiliza o cidadão pelo dever de aprender. É o século da volta à escola para aprender a aprender a prestar melhores serviços ao empregador. Não é para aprender a explorar e a aprofundar a sua humanidade.

 Aprender torna-se uma obrigação pessoal de sobrevivência no mercado de trabalho, muito mais do que uma resposta às necessidades de autonomia e de florescimento intelectual decorrente de um compromisso com o bem comum e da vontade coletiva da sociedade.

 

 

 Educação: um bem individual e privado

 

A escola, na sociedade de mercado em que vivemos, concretiza um modelo escolar que considera a educação como um bem essencialmente privado, particular, individual, cujo valor é antes de tudo econômico, a serviço do mercado.

 Não é mais a resultante de uma sociedade que tem como vontade política a garantia da educação cidadã de todos os seus membros.

São os indivíduos que devem capitalizar a educação em seu próprio beneficio, como um bem essencialmente particular e pessoal. Sobretudo, o custo da educação deve ser rentável, com retorno para as empresas que utilizam os quadros profissionais formados pelas escolas.

 

 Aluno: cidadão ou cliente?

 Certamente é cliente de um mercado educacional destinado à formação e à produção do capital humano das empresas.

 Hoje a nova escola está a serviço da economia na formação de quadros profissionais para o mercado, quando deveria ser uma escola destinada a atender às necessidades de desenvolvimento de uma sociedade mais justa e fraterna, mais cidadã, com níveis decrescentes de iniqüidades.

 

 

Universidades: a serviço dos interesses do mercado.

De forma geral, um novo campo de acumulação de capital se abre com a transformação das universidades em fábricas de produção do saber eficaz, ou seja, a serviço dos interesses comerciais do mercado.

 Este é o destino da produção do conhecimento e do saber: ser modelado por um capitalismo universitário a serviço dos interesses comerciais e econômicos das empresas que, o mais das vezes, sustentam os aparatos acadêmicos.

O desenvolvimento científico, as pesquisas em particular, se submete cada vez mais às exigências da valorização do capital.

A subordinação do saber à economia e ao mercado se representa pela multiplicação dos laboratórios e centros de pesquisa privados, e pela estreita relação entre os interesses das empresas e os das universidades.

 Essa integração de interesses, em vez de gerar prioritariamente ganhos para a sociedade, resulta em mais e maiores lucros e ganhos para as empresas e seus acionistas. Os interesses das indústrias e do mercado acabam por contaminar e dominar a produção do saber no desenvolvimento das pesquisas aplicadas. Elas dão o tom e ditam o ritmo, dizem o que fazer e o que não fazer, limitam a ciência, controlam o seu desenvolvimento.

 As pesquisas acadêmicas deixam de ter o foco no interesse público, no interesse do cidadão, para se circunscrever aos interesses econômicos empresariais.

Ou seja: o interesse empresarial dá o tom do que se vai ou não pesquisar, e, portanto, do que vai se transformar em produtos ou serviços. Não é mais o interesse do bem comum.

 A produção do conhecimento se transforma numa atividade mercantil específica, financiado pelo capital privado, estampando o seu logotipo, a sua marca e a sua propriedade industrial, em centros de pesquisa de alto prestígio dos centros acadêmicos, tanto de instituições de ensino e pesquisa públicas quanto particulares.

 Hoje, em muitíssimos casos, já não mais se sabe distinguir o que são laboratórios acadêmicos e os que são empresariais.

 São as sempre louvadas parcerias universidade/empresa do mundo da globalização: cada vez mais entram recursos públicos para os benefícios privados.

 A característica dominante do capitalismo moderno é precisamente o fomento e o financiamento direto da pesquisa com base no interesse particularista da empresa privada.

O desenvolvimento cientifico é, cada vez mais, subjugado aos desígnios de vontade dos interesses privados empresariais.

E, assim, um novo ator entra em cena: o lobbismo acadêmico e o pesquisador como garoto propaganda das multinacionais e das grandes ONG’s, e, também, das fundações globais para as quais estão igualmente a serviço.

A universidade se presta agora a representar o papel de rede de proteção dos interesses econômicos das organizações empresariais. Aporta a sua autoridade científica e o seu logotipo às operações comerciais e ao lobbismo empresarial.

Os professores e pesquisadores, conscientes ou não, o mais das vezes “muito conscientes”, transformam-se em porta-vozes e garotos-propaganda dos interesses empresariais privados.

Se os centros de pesquisas não desempenharem esse papel, correm o risco de terem as suas pesquisas e atividades descontinuadas, sem financiamento. É o seqüestro do saber a serviço dos interesses exclusivistas do mercado!

A ciência passa a ter relações promíscuas com o mercado. Financiada e patrocinada cada vez mais se coloca a serviço do lucro. E , assim, o controle sobre a natureza que a tecnologia possibilita ao homem moderno é pago com a sua escravidão a ela.

 

 

14. A Época do Capital Humano

 

 É uma ilusão pretender conferir ao conceito de capital humano uma acepção estritamente técnica.

O capital humano é contaminado pela ideologia do mercado, pelo interesse, pela ganância e pela voracidade econômica das empresas e de seus acionistas.

Essa doutrina dominante em educação encontra hoje o seu centro de gravidade nas teorias do capital humano.

 Mobiliza-se o saber, cada vez mais diversificado e especializado, como fator de produção e como mercadoria.

 O capital humano é, assim, o estoque dos conhecimentos que têm valor econômico. Incorporam-se às pessoas, como um bem privado individual. Atuam como fator de produção e mercadoria, à disposição para a venda ao mercado.

 É a nova versão, agora no Século XXI, do conceito de mais valia de que nos falava Karl Marx há quase dois séculos.

 

 

15. Conformação às regras de aprovação social.

 

O homem não age propriamente, mas se comporta. Ou seja: vivendo numa organização, o homem é condicionado a conformar-se com as regras de aprovação social.

No caso particular das organizações empresariais, os seus funcionários têm que se submeter às regras de conduta impostas pela aristocracia do capital, que detém o poder nas organizações.  

 A educação na sociedade do conhecimento não mais educa para desenvolver plenamente o potencial do individuo, mas para ensiná-lo a comportar-se em sociedade, a como sair-se bem no mundo do trabalho, a como atuar no universo das organizações.

Abandona o conteúdo intrínseco da formação do cidadão e do intelectual, para cuidar prioritariamente da forma, da formação da conduta humana, do desenvolvimento de atitudes como predisposição para se comportar e não necessariamente para agir.

 

 Por isso, cada vez mais a seleção de quadros se dá pelo filtro do critério da atitude e menos pelo do conhecimento.

 O grande desafio passa a ser identificar e ensinar quais são as atitudes adequadas para ingressar no mundo do trabalho?

E, assim a escola educa para a conformação.

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