ÉTICA EMPRESARIAL

29/04/2010 11:19


Não discuto que as ações empresariais possam se dar nos conformes da moral. Mas como as ações empresariais são realizadas na busca do interesse da empresa, que é essencialmente o lucro, não é nem pode ser um valor moral.

O valor moral é um valor universal. Não pode ser relativizado no interesse de uma ou outra organização. Falar em moral empresarial ou ética empresarial só teria sentido se todas as empresas tivessem a mesma moral ou a mesma ética.

Deve-se dizer “moral” ou “ética”. E que diferença existe entre os dois termos? Resposta simples e direta: a priori, nenhuma. Você pode utilizá-los indiferentemente.

A palavra “moral” vem da palavra latina que significa “costumes” e a palavra “ética”, da palavra grega que também significa “costumes”. São, pois, sinônimos perfeitos e só diferem pela língua de origem.

Apesar disso, alguns filósofos aproveitaram o fato de que havia dois termos e lhes deram sentidos diferentes. Em Kant, por exemplo, a moral designa o conjunto dos princípios gerais, e a ética, sua aplicação concreta.

Outros filósofos ainda concordarão em designar por “moral” a teoria dos deveres para com os outros, e por “ética” a doutrina da salvação e da sabedoria. Por que não? Nada impede de se utilizar essas duas palavras dando-lhes sentidos diferentes. Mas nada obriga, porém, a fazê-lo, e, salvo explicação contrária, esses dois termos podem ser utilizados como sinônimos perfeitos.

A ética empresarial só pode ser, por definição, uma moral particular, específica (tal moral para a empresa X e outra moral para a empresa Y). Como Kant demonstra claramente, a moral em seu princípio é universal ou, pelo menos, tende a assim ser.

Como se trata de uma ética empresarial própria e específica, para uma determinada empresa, outra para a empresa concorrente e ainda uma outra para uma terceira empresa, por exemplo, isto significa de que não estamos falando em moral em nenhum desses casos particulares, mas de especificidades e de particularidades para cada uma delas. Cada uma tem a sua própria ética e julga que a sua é melhor do que as demais. Melhor para quem? Para si. É a ética do interesse particular.

O valor ético do desinteresse também se impõe com tal evidência, que não nos damos mais ao trabalho de pensar nele. Se descubro, por exemplo, que alguém que se mostra simpático, acolhedor e receptivo comigo se comporta assim na expectativa de obter uma vantagem qualquer, que ele dissimula e encobre (por exemplo, em ser beneficiário de minha herança), é evidente que a percepção do valor moral atribuído a seus atos desaparece imediata e completamente.

Essa é exatamente a situação da empresa em interação com os seus clientes. Ela se interessa pelo cliente como usuário de seus serviços, como comprador de seus produtos. Não tem em relação a eles qualquer atitude desinteressada.

Mas você poderia contraditar que a moral também pode variar em função dos indivíduos e das sociedades, no tempo e no espaço. Sem dúvida, é isto que dá razão aos relativistas, inclusive contra o que Kant afirma. Mas, mesmo assim, os indivíduos e as sociedades vivem essa relatividade moral ou ética, no tempo e no espaço, como um problema a ser resolvido ou superado, não como um slogan ou uma estratégia de marketing ou de formação de imagem empresarial.

A moral, à falta de ser sempre universal, precisa ser universalizável. Assim, a moral não pertence a ninguém, a nenhuma empresa, pois se dirige a todos. Não pode ser particularizada, ser exclusiva de quem quer que seja, sob pena de as organizações se pretenderem transformar em repositórios da virtude.

Como poderia então a moral se submeter às marcas registradas, às patentes ou aos logotipos de uma empresa qualquer?

É muito bom que uma empresa disponha de uma declaração, carta ou código de ética ou de conduta. Esses instrumentos são sempre um bom quadro de referências para as ações empresariais. Que todas os tenham, enfim. O mundo será bem melhor, se assim for.

Mas daí a julgar que a ética empresarial possa ser mais do que uma ferramenta ou instrumento de gestão, que possa até fazer às vezes de consciência moral da empresa, é um retumbante contra-senso, por ser inteiramente descabido. É pretender dotar uma simples ferramenta de gestão de um valor moral que ela não possui. É querer fazer da empresa a aristocracia da virtude.

As melhores empresas, aquelas em que a gestão é mais sensível, mais coerente, mais fraterna, poderão possivelmente contar com os melhores empregados ou colaboradores. Poderão dispor de um clima psicossociológico bem superior. Poderão ser, inclusive, empresas bem mais produtivas. Mas não é a empresa que é moral: são a sua direção e seus dirigentes, seus empregados. Não é a empresa que é ética ou moral, são os indivíduos que a compõem.

De tanto ver prosperar o modismo da ética empresarial, de tanto instrumentalizarmos a moral em toda a parte, ela termina por não estar em parte alguma. Transforma-se apenas em slogan ou numa palavra de ordem publicitária.

E, assim, a ética empresarial passa a ser o vício da moda. E o vício da moda se transforma em virtude. Mas nem por isso deixa de ser uma deformação, porque não dizer uma perversão do real conceito de moral e de ética.

 

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