Empreendedorismo: o caminho entre o sonho e a realidade

15/10/2016 17:16

Por Adm. Sebastião Luiz de Mello

 

O município de Viamão, no interior do Rio Grande do Sul, abriga um empreendimento familiar ambicioso: Fazenda Quinta da Estância. Combinando ecologia com educação infantil, o casal Lucidio e Sônia Sittoni, montou o negócio, em 1992, com a cara e a coragem. Eles conseguiram crescer e florescer, transformando a pequena empresa em uma eficiente infraestrutura física e humana, capaz de atender uma demanda anual de 75 mil pessoas. Em duas décadas a Quinta da Estância tornou-se referência em sustentabilidade: foi o primeiro empreendimento turístico do Brasil aceito como signatário do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU); venceu o Prêmio MPE Brasil na categoria Responsabilidade Social; e já recebeu mais de um milhão de visitantes.

Em 1981, nascia, em Brasília (DF), um pequeno empreendimento: a rede brasiliense Giraffas que, em pouco mais de 30 anos, se tornou referência nacional no setor de refeições rápidas, com mais de 300 unidades em todo o Brasil e faturamento anual acima de meio bilhão de reais. Com lojas em todo o território nacional e também no exterior em cidades como Ciudad Del Este, noParaguai, e Miami, nos Estados Unidos,, a rede vem conquistando o paladar de seus clientes, com refeições rápidas, saudáveis e baratas.

O setor de cosméticos é um dos que mais crescem no mundo e o Brasil desponta como o terceiro maior do planeta em volume de vendas, perdendo apenas para o Japão e os Estados Unidos. Neste bilionário segmento de beleza, a jovem Amália Sina investiu sua experiência como executiva de grandes corporações, como a Philip Morris do Brasil e a Walita do Brasil, e criou, em 2006, a Sina Cosméticos. Ela cuidou, pessoalmente, de cada detalhe do negócio, desde as fragrâncias de seus produtos até o rótulo e a embalagem de cada uma delas.

Estes três cases de sucesso,  retirados da Revista Brasileira de Administração (RBA), produzida pelo Conselho Federal de Administração (CFA),  fazem parte do pujante cenário empresarial brasileiro que a cada ano cresce de forma exponencial. Os números impressionam: 8.915.890 empresas foram registradas entre 1985 e 2005, de acordo com o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC). A tualmente,  este resultado é muito superior: somente em 2013 surgiram mais 471.915 novas empresas no país. Neste universo empresarial admirável, devem ser incluídos, ainda, mais 3.659.781 microempreendedores individuais (MEIs). De acordo com Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), MEI é afigura jurídica criada pela Lei Complementar nº 128, de 19/12/2008, para pessoas que trabalham por conta própria sendo legalizadas  na categoria de microempresários.

Este impressionante dado coloca o Brasil em 3º lugar no ranking mundial de número de empreendedores. Com mais de 27 milhões pessoas envolvidas com negócios empresariais, segundo pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor 2011 (GEM), o país está atrás somente dos Estados Unidos, que ocupa o segundo lugar, com cerca de 41,3 milhões e da China, líder do ranking, com mais de 373,5 milhões de empreendedores. 

De todas as firmas brasileiras registradas, nada menos do que 98% pertencem ao grupo das MPEs. O critério mais utilizado para classificar empresas no Brasil é baseado no número de empregados e no faturamento anual bruto tal como mostram, a seguir, as Tabelas 1 e 2.

Tabela 1 – Classificação das MPEs, segundo o número de empregados.

Porte

Número de empregados

Microempresa

No comércio e serviços até 9

Na indústria até 19

Pequena empresa

No comércio e serviços de 10 a 49

Na indústria de 20 a 99

Média empresa

No comércio e serviços de 50 a 99

Na indústria de 100 a 499

Grande empresa

No comércio e serviços acima de 99

Na indústria acima de 499

       Fonte: Sebrae (classificação utilizada pela área de Pesquisas do Sebrae)

Tabela 2 – Classificação das MPEs, segundo o faturamento.

Porte

Faturamento bruto anual

Microempresa

Até R$ 244.000,00

Empresa de pequeno porte

Entre R$ 244.000,00 e R$ 1.200.000,00

            Fonte: Lei Federal n°. 9.841, de 05/10/99 (Estatuto da Micro e Pequena Empresa)

Segundo dados do Sebrae, de 2010, estes pequenos negócios formam um segmento poderoso da economia, responsável por empregar 52,3% das pessoas economicamente ativas do país, e respondem por 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, de acordo com levantamento feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2008.

Por outro lado, muitos negócios encerram suas atividades a cada ano. Em 2013, por exemplo, foram extintas oficialmente 208.049 empresas. Como muitos negócios fecham suas portas sem dar baixa nas instituições oficiais, este número e as demais as estatísticas sobre extinção empresarial não expressam a realidade brasileira. Muito possivelmente, os dados sobre o fechamento de empresas são ainda mais expressivos do que o que temos registrados. . 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de um total de 464.700 empresas que iniciaram suas atividades em 2007, 76,1% continuavam no mercado em 2008; 61,3% sobreviveram até 2009; e apenas 51,8% ainda estavam abertas em 2010. Ou seja, no terceiro ano de atividade, quase a metade (48,2%) fechou as portas. Mas uma coisa é certa:  nem todos os que não passam pela barreira dos três anos fracassam. Algumas empresas são compradas, enquanto outras, simplesmente, fecham para transformar-se em novos negócios.

Diante do exposto, perguntamos: quais as características pessoais do empreendedor de sucesso? Quais fatores determinam o sucesso ou o fracasso do empreendimento?  

Características do empreendedor de sucesso

As motivações que levam tantas pessoas a iniciar uma pequena empresa são as mais diversas: a disponibilidade de capital, aliada à vontade de ganhar dinheiro, mais do que seria possível obter na condição de empregado; o desemprego que impulsiona as pessoas a partirem para seu próprio negócio; o desejo de sair da rotina e levar suas próprias ideias adiante; ou, ainda, a necessidade de provar para si e para os outros que seria capaz de realizar um empreendimento. A verdade é que por trás de todos os motivos está o lucro. A intenção de montar e conduzir um negócio lucrativo.

Entretanto, muitos empresários não conseguem manter suas organizações funcionando e elas falecem. Outros apenas mantêm seus empreendimentos sobrevivendo. Quais as razões disso? Entre as causas de insucesso, podemos citar a falta de habilidades administrativas, financeiras, mercadológicas e tecnológicas dos empreendedores. O fracasso também pode estar ligado à instabilidade econômica, à falta de dinheiro no mercado, à escassez de recursos próprios e à saturação do mercado.

Mas, além desses fatores, algumas características da personalidade do empreendedor parecem estar ligadas ao seu sucesso ou ao seu fracasso. As pesquisas que buscaram identificar atributos pessoais semelhantes em empreendedores bem-sucedidos elencaram dez qualidades especiais comuns a todos eles:

  1. Assumir riscos: ter coragem de enfrentar desafios, de tentar um novo empreendimento, de buscar os melhores caminhos.
  2. Identificar oportunidades: o empreendedor de sucesso está constantemente alerta para perceber oportunidades de negócios.
  3. Conhecer o ramo: com experiência prática ou informações obtidas em publicações especializadas, centros de ensino ou de outros empresários.
  4. Organizar: traduz a capacidade de utilizar os recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis, de forma lógica e racional.
  5. Tomar decisões: essa qualidade requer muita vontade de vencer obstáculos e inciativa para agir objetivamente.
  6. Liderar: saber definir objetivos, orientar a realização de tarefas, combinar métodos e procedimentos práticos, incentivar pessoas rumo às metas estabelecidas, produzir relacionamento equilibrado.
  7. Talento: o empreendedor deve ser capaz de fazer com que simples ideias se concretizem em negócios efetivos.
  8. Independência:  qualidade daquele que procura determinar seus próprios passos, abrir seus próprios caminhos, ser seu próprio patrão.
  9. Otimismo:  característica natural daqueles que enxergam, principalmente, o sucesso, em vez de imaginar e temer possíveis fracassos.

10. Tino empresarial: produto da combinação de todas as qualidades do empresário de sucesso. É o tato, o discernimento, a intuição: o faro empresarial.

Sucesso e fracasso

Ronald Degen, autor do livro “O empreendedor” (1989), foi um dos primeiros autores a discorrer sobre o assunto.  Em sua obra ele afirma que o sucesso depende de três etapas: identificar oportunidade de negócio e coletar informações sobre ele; desenvolver o conceito do negócio, com base nas informações coletadas; programar o empreendimento, iniciando pela elaboração do plano de negócios.

O Sebrae realizou um estudo, em 2007, envolvendo empresas ativas e extintas, dividido em três fatores: 1. Habilidades gerenciais; 2. Capacidade empreendedora; e 3. Logística operacional. .  No primeiro caso, “bom conhecimento do mercado em que atua” e “boa estratégia de vendas” são as habilidades gerenciais mais citadas. Em relação à capacidade empreendedora, os entrevistados responderam que os fatores condicionantes para o sucesso empresarial são: criatividade do empresário; persistência/perseverança; aproveitamento de oportunidades; liderança. Sobre a logística operacional, os fatores mais citados foram: escolha de um bom administrador; uso de capital próprio; reinvestimento dos lucros na empresa; acesso às novas tecnologias. A seguir, uma síntese dos resultados da pesquisa. Vale ressaltar que os entrevistados podiam indicar mais de uma resposta.

Tabela 3 – Fatores relacionados ao sucesso empresarial, segundo as habilidades gerenciais.

Habilidades gerenciais

Nº respostas

Conhecimento do mercado onde atua

109

Boa estratégia de vendas

103

Tabela 4 – Fatores condicionantes para o sucesso empresarial, segundo a capacidade empreendedora.

Capacidade empreendedora

Nº respostas

Criatividade do empresário

84

Persistência/perseverança

84

Aproveitamento de oportunidades de negócio

62

Liderança do empresário

43

Tabela 5 – Fatores condicionantes para o sucesso empresarial, segundo a logística operacional.

Logística Operacional

Nº respostas

Escolha de um bom administrador

101

Uso de capital próprio

81

Reinvestimento dos lucros na empresa

57

Acesso às novas tecnologias

49

Por outro lado, as principais causas que levam uma empresa a fechar as portas estão relacionadas à gestão do negócio. Em um estudo[RMZ1] , o Sebrae apontou seis fatores que contribuem para esse desfecho. São eles:

  1. Falta de planejamento: no Brasil, é muito comum o empresário iniciar uma empresa sem fazer um plano de negócios e, muitas vezes, continua operacionalizando a empresa sem planejamento adequado.
  2. Reprodução de modelos existentes: copiar modelos sem fazer as inovações necessárias é outro fator de risco. Inspirar-se em casos de sucesso é até recomendável, mas o empreendedor deve saber como adaptá-los à sua realidade para criar diferenciais.
  3. Deixar a empresa nas mãos de terceiros: o empresário deve estar presente na empresa, pelo menos para fiscalizar o trabalho e resolver problemas. A dedicação é uma das qualidades de um empreendedor de sucesso.
  4. Falta de controle: controles são essenciais, principalmente para a entrada e saída de dinheiro. Checar contas e planejar o pagamento e recebimento de recursos faz parte do dia a dia do empreendedor.
  5. Falta de divulgação: o empresário tem que entender o mercado que quer atingir, saber onde o público-alvo está e do que ele gosta, para, a partir daí, estabelecer uma estratégia de divulgação direcionada a estes clientes.
  6. Não se adaptar às necessidades do mercado:  resistir às mudanças e desconhecer as novidades do mercado não são atitudes corretas. O empreendedor deve se manter antenado às tendências do seu ramo de atividade.

 

Adm. Sebastião Luiz de Mello

Presidente do Conselho Federal de Administração